Iniciamos agora uma série de posts que visam demonstrar o início da Umbanda, porém, todos os posts serão transcritos de uma reportagem realizada por Lilia Ribeiro, esta que durante sua vida documentou e gravou em áudios depoimentos, não só de Zélio de Moraes, como também do próprio Caboclo das Sete Encruzilhadas, a fim de ter registros da fundação e fundamentos instituídos pelo Amado Caboclo e seu médium.
Lilia Ribeiro - Umbanda - Início de uma longa jornada
"Em fins do século passado
existiam, no Rio de Janeiro, várias modalidades de culto que denotavam
nitidamente a origem africana, embora já bem distanciadas da crença trazia
pelos escravos. A magia dos velhos africanos, transmitida oralmente através de
gerações, desvirtuara-se, mesclada com as feitiçarias provindas de Portugal
onde, no dizer de Morales de Los Rios, existiram sempre rezas, feitiços e
superstições.
As macumbas – mistura de
catolicismo, fetichismo negro e crenças nativas – multiplicavam-se; tomou vulto
a atividade remunerada do feiticeiro; o “trabalho feito” passou à ordem do dia,
dando motivo a outro, para lhe destruir os efeitos maléficos; generalizaram-se
os “despachos”, visando obter favores para uns e prejudicar a terceiros; aves e
animais inocentes eram sacrificados com as mais diversas finalidades;
exigiam-se objetos ratos, para homenagear entidades ou satisfazer elementos do
baixo astral, sempre, porém, obedecendo aos objetivos primordiais: aumentar a
renda do feiticeiro ou “derrubar” – termo que esteve em voga – os que não se
curvassem ante os seus poderes ou pretendessem fazer-lhes concorrência.
Os mentores do Astral Superior,
porém, estavam atentos ao que se passava. Organizava-se um movimento destinado
a combater a magia negativa que se propagava assustadoramente; cumpria atingir
de início, as classes humildes, mais sujeitas às influências do clima de
superstições que imperava na época. Formaram-se, assim, as falanges de
trabalhadores espirituais, que se apresentariam na forma de Caboclos e Pretos
Velhos, para mais facilmente serem compreendidos pelo povo. Nas sessões
espíritas, porém, não foram aceitos; identificados sob essas formas, eram
considerados espíritos atrasados e suas mensagens não mereciam nem mesmo uma
análise. Acercaram-se também dos candomblés e dos cultos então denominados “baixo
espiritismo” – as macumbas. É provável que nestes, como nos Batuques do Rio
Grande do Sul, tenham encontrado acolhida, com a finalidade de serem
aproveitados nos trabalhos de magia, como elementos novos no velho sistema de
feitiçaria.
A situação permanecia inalterada,
no de 1900. As determinações do Plano Astral, porém, deveriam cumprir-se.
A CHEGADA DO CABOCLO
DAS SETE ENCRUZILHADAS
Em 15 de novembro de 1908,
compareceu a uma sessão da Federação Espírita, em Niterói, então dirigida por
José de Souza, um jovem de 17 anos, de tradicional família fluminense. Chama-se
ZÉLIO FERNANDINO DE MORAES. Restabelecera-se, no dia anterior, de moléstia cuja
origem os médicos haviam tentado em vão identificar. Sua recuperação inesperada
causara surpresa. Nem os doutores que o assistiam, nem os tios, sacerdotes
católicos, haviam encontrado explicação plausível. A família atendeu, então à
sugestão de um amigo, que se ofereceu para acompanhar o jovem Zélio à
Federação.
Zélio foi convidado a participar
da mesa. Iniciados os trabalhos, manifestaram-se espíritos que se diziam de
índios e escravos africanos. O dirigente da mesa advertiu-os para que se
afastassem.
Nesse momento, Zélio sentiu-se
dominado por força estranha e ouviu sua própria voz perguntar por que não eram
aceitas as mensagens dos negros e dos índios e se eram eles considerados
atrasados apenas pela cor e pela classe social que declinavam.
Essa observação suscitou quase um
tumulto. Seguiu-se um diálogo acalorado, no qual os dirigentes dos trabalhos
procuraram doutrinar o espírito desconhecido que se manifestava e mantinha
argumentação segura. Finalmente, um dos videntes pediu a entidade se
identificasse, já que lhe aparecia numa aura de luz.
- Se querem um nome – respondeu
Zélio, involuntariamente – que seja este: sou o CABOCLO DAS SETE ENCRUZILHADAS,
porque não haverá caminhos fechados para mim.
E prosseguindo, anunciou a missão
que trazia: estabelecer as bases de um culto no qual os espíritos de índios e
negros viriam cumprir as determinações do Astral. No dia seguinte, declarou
ele, estaria na residência do médium, para fundar um templo, simbolizando a
verdadeira igualdade que deve existir entre encarnado e desencarnados.
- Vou levar daqui uma semente e
plantá-la nas Neves, onde ela se transformará em árvore frondosa.
Quando, em 1970, nossa irmã Lucy
Plubins entrevistou Zélio de Moraes, para o boletim “MACAIA” da Tenda de
Umbanda Luz, Esperança, Fraternidade, ouviu as impressões que ele guardava
desse momento. São palavras textuais de Zélio:
- Eu não tinha ainda 18 anos.
Sentia-me tolhido, no meio daqueles senhores de cabeça branca. Ouvia minha voz
dizer coisas que eu não entendia. Queria calar, e continuava falando. A ideia
de dirigir um templo assustava-me. Nunca pensara nisso. E minha família estava
apavorada..."
"Origem da Umbanda - Módulo I" - Padrinho Juruá