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quarta-feira, 10 de fevereiro de 2016

Umbanda - Início de uma longa jornada - Parte I

Iniciamos agora uma série de posts que visam demonstrar o início da Umbanda, porém, todos os posts serão transcritos de uma reportagem realizada por Lilia Ribeiro, esta que durante sua vida documentou e gravou em áudios depoimentos, não só de Zélio de Moraes, como também do próprio Caboclo das Sete Encruzilhadas, a fim de ter registros da fundação e fundamentos instituídos pelo Amado Caboclo e seu médium.


Lilia Ribeiro - Umbanda - Início de uma longa jornada

"Em fins do século passado existiam, no Rio de Janeiro, várias modalidades de culto que denotavam nitidamente a origem africana, embora já bem distanciadas da crença trazia pelos escravos. A magia dos velhos africanos, transmitida oralmente através de gerações, desvirtuara-se, mesclada com as feitiçarias provindas de Portugal onde, no dizer de Morales de Los Rios, existiram sempre rezas, feitiços e superstições.

As macumbas – mistura de catolicismo, fetichismo negro e crenças nativas – multiplicavam-se; tomou vulto a atividade remunerada do feiticeiro; o “trabalho feito” passou à ordem do dia, dando motivo a outro, para lhe destruir os efeitos maléficos; generalizaram-se os “despachos”, visando obter favores para uns e prejudicar a terceiros; aves e animais inocentes eram sacrificados com as mais diversas finalidades; exigiam-se objetos ratos, para homenagear entidades ou satisfazer elementos do baixo astral, sempre, porém, obedecendo aos objetivos primordiais: aumentar a renda do feiticeiro ou “derrubar” – termo que esteve em voga – os que não se curvassem ante os seus poderes ou pretendessem fazer-lhes concorrência.

Os mentores do Astral Superior, porém, estavam atentos ao que se passava. Organizava-se um movimento destinado a combater a magia negativa que se propagava assustadoramente; cumpria atingir de início, as classes humildes, mais sujeitas às influências do clima de superstições que imperava na época. Formaram-se, assim, as falanges de trabalhadores espirituais, que se apresentariam na forma de Caboclos e Pretos Velhos, para mais facilmente serem compreendidos pelo povo. Nas sessões espíritas, porém, não foram aceitos; identificados sob essas formas, eram considerados espíritos atrasados e suas mensagens não mereciam nem mesmo uma análise. Acercaram-se também dos candomblés e dos cultos então denominados “baixo espiritismo” – as macumbas. É provável que nestes, como nos Batuques do Rio Grande do Sul, tenham encontrado acolhida, com a finalidade de serem aproveitados nos trabalhos de magia, como elementos novos no velho sistema de feitiçaria.

A situação permanecia inalterada, no de 1900. As determinações do Plano Astral, porém, deveriam cumprir-se.

A CHEGADA DO CABOCLO DAS SETE ENCRUZILHADAS

Em 15 de novembro de 1908, compareceu a uma sessão da Federação Espírita, em Niterói, então dirigida por José de Souza, um jovem de 17 anos, de tradicional família fluminense. Chama-se ZÉLIO FERNANDINO DE MORAES. Restabelecera-se, no dia anterior, de moléstia cuja origem os médicos haviam tentado em vão identificar. Sua recuperação inesperada causara surpresa. Nem os doutores que o assistiam, nem os tios, sacerdotes católicos, haviam encontrado explicação plausível. A família atendeu, então à sugestão de um amigo, que se ofereceu para acompanhar o jovem Zélio à Federação.

Zélio foi convidado a participar da mesa. Iniciados os trabalhos, manifestaram-se espíritos que se diziam de índios e escravos africanos. O dirigente da mesa advertiu-os para que se afastassem.
Nesse momento, Zélio sentiu-se dominado por força estranha e ouviu sua própria voz perguntar por que não eram aceitas as mensagens dos negros e dos índios e se eram eles considerados atrasados apenas pela cor e pela classe social que declinavam.

Essa observação suscitou quase um tumulto. Seguiu-se um diálogo acalorado, no qual os dirigentes dos trabalhos procuraram doutrinar o espírito desconhecido que se manifestava e mantinha argumentação segura. Finalmente, um dos videntes pediu a entidade se identificasse, já que lhe aparecia numa aura de luz.

- Se querem um nome – respondeu Zélio, involuntariamente – que seja este: sou o CABOCLO DAS SETE ENCRUZILHADAS, porque não haverá caminhos fechados para mim.

E prosseguindo, anunciou a missão que trazia: estabelecer as bases de um culto no qual os espíritos de índios e negros viriam cumprir as determinações do Astral. No dia seguinte, declarou ele, estaria na residência do médium, para fundar um templo, simbolizando a verdadeira igualdade que deve existir entre encarnado e desencarnados.

- Vou levar daqui uma semente e plantá-la nas Neves, onde ela se transformará em árvore frondosa.
Quando, em 1970, nossa irmã Lucy Plubins entrevistou Zélio de Moraes, para o boletim “MACAIA” da Tenda de Umbanda Luz, Esperança, Fraternidade, ouviu as impressões que ele guardava desse momento. São palavras textuais de Zélio:


- Eu não tinha ainda 18 anos. Sentia-me tolhido, no meio daqueles senhores de cabeça branca. Ouvia minha voz dizer coisas que eu não entendia. Queria calar, e continuava falando. A ideia de dirigir um templo assustava-me. Nunca pensara nisso. E minha família estava apavorada..."

"Origem da Umbanda - Módulo I" - Padrinho Juruá