Dando continuidade ao nosso estudo sobre a história da Umbanda, baseando-nos na reportagem de Lilia Ribeiro, no post de hoje é abordado sobre a fundação da primeira Tenda de Umbanda no Brasil, demonstrando de maneira resumida como se procedeu o dia 16 de novembro de 1908.
"No dia seguinte, 16 de novembro
de 1908, na residência do jovem médium, na rua Floriano Peixoto, 30, em Neves,
bairro de Niterói, a entidade manifestou-se pontualmente no horário
determinado, 20 horas.
Ali se encontravam quase todos os
dirigentes da Federação Espírita, de certo para verificar a veracidade do que
fora declarado na véspera; os amigos da família, surpreendidos e incrédulos e
grande número de desconhecidos, enfermos, aleijados, que ninguém saberia dizer
como haviam tomado conhecimento do que ocorrera. E muitos deles, ao final da
reunião, estavam curados. Foi essa uma das primeiras provas da missão que a
entidade vinha cumprir.
O Caboclo das Sete Encruzilhadas
estabeleceu as normas do culto, cuja prática seria denominada “sessão” e se
realizaria à noite, das 20h às 22h, para cura de enfermos, passes e recuperação
de obsedados. O uniforme a ser usado pelos médiuns seria todo branco, de tecido
simples; o atendimento, inteiramente gratuito. Não haveria atabaques nem palmas
ritmadas para acompanhar os cânticos.
A esse novo culto, a entidade deu
o nome de Umbanda e declarou fundado o primeiro templo para a sua prática, com
a denominação de Tenda Espírita Nossa Senhora da Piedade, porque “assim como
Maria acolheu em seus braços o Filho, a Tenda acolheria os que a ela
recorressem, nas horas de aflição”.
A UMBANDA É A MANIFESTAÇÃO DO
ESPÍRITO PARA A CARIDADE, acrescentou.
É comum ouvir-se dizer que
Umbanda foi trazida ao Brasil pelos escravos. Entretanto, o testemunho dos
pesquisadores nos faz saber que os negros não davam aos seus cultos a
denominação de Umbanda. O vocábulo era praticamente desconhecido entre os
cultores das seitas africanas.
Isso não exclui o papel relevante
que a crença dos negros desempenhou na formação da Umbanda, da qual se
constituiu um dos principais alicerces, dando-lhe, como contribuição
primordial, os Orixás.
Negros e Índios tiveram, de
certo, a missão de implantar em nosso país, as bases sobre as quais se havia de
erguer a mais brasileira de todas as religiões. Já que, de sua constituição,
participaram as três raças que constituem o nosso próprio povo.
A Umbanda, em suas práticas,
aproxima-se mais da origem nativa do que da africana. Em sua estrutura, porém,
prevaleceu a influência negra.
Os conceitos da reencarnação e da
comunicação com os desencarnados, já existentes no culto dos nativos, foram
reforçados pelo Espiritismo, através de sua doutrina esclarecedora.
O Catolicismo deu valiosa
contribuição à Umbanda; em grande parte, por influência do negro, ao qual havia
sido imposta a assimilação do Orixá ao Santo; e também através dos primeiros
médiuns umbandistas, ainda afeiçoados à religião dominante, na época.
Umbanda é, portanto, o produto de
uma evolução religiosa. Suas origens encontram-se nas filosofias orientais –
fonte inicial de todos os cultos do mundo civilizado – e sua implantação, em
nossa terra, deu-se com a fusão das práticas, dos conceitos e crenças do negro,
do branco e do índio.
Mas voltemos a 16 de novembro de
1908.
Através de Zélio manifestou-se,
nessa mesma noite, um Preto Velho, Pai Antônio, para completar as curas de
enfermos iniciadas pelo Caboclo. A partir dessa data, a casa da família de
Zélio tornou-se a meta de crentes, descrentes, enfermos e curiosos.
Os enfermos eram curados; os
descrentes assistiam as provas irrefutáveis; os curiosos constatavam a presença
de uma força superior e os crentes aumentavam, dia a dia.
A figura de Cristo centralizava o
culto, que aproveitava muitos elementos das crenças negra e nativa. Sua
doutrina de amor e de perdão era a diretriz dessa religião nova, que falava de
perto ao coração dos humildes, anulando preconceitos, nivelando o doutor e o
operário, o general e o soldado, a senhora e a sua serviçal.
A retribuição monetária pelos
trabalhos de cura de enfermos e obsedados não era admitida, nem mesmo sob forma
de presentes.
- Ninguém poderá dizer que eu
recebi um tostão pelas curas feitas na Tenta da Piedade – contava Zélio – E só
de obsedados foram mais de onze mil...
Médiuns, recusados em centros
espíritas porque recebiam entidades que se apresentavam nas formas de índios ou
de escravos, aderiram ao novo culto. Deu-se a recuperação imediata de enfermos,
cuja doença, considerada mental, nada mais era do que a manifestação mediúnica.
E houve eclosões espontâneas de mediunidade – como ocorreu com João Severino
Ramos – às margens do Rio Macacu, onde o Caboclo das Sete Encruzilhadas
trabalhava, usando água pura como elemento de atração pelos Guias e de
purificação para os médiuns.
Os sacrifícios de aves e animais
não eram admitidos. São palavras textuais de Zélio:
- O Caboclo das Sete
Encruzilhadas nunca mandou sacrificar bichos para me fortalecer, ou aos guias
de que trabalham comigo.
Cinco anos mais tarde,
manifestou-se o Orixá Mallet, exclusivamente para a cura de obsedados e combate
aos trabalhos de magia negra.
- Na época imperava a feitiçaria –
explicava Zélio – trabalhava-se muito para o mal, através de objetos, aves e
animais sacrificados, que representavam o elemento material para levar a magia
ao Espírito. Tudo a preço elevadíssimo. Para combater esses trabalhos de magia
negativa, o Caboclo trouxe outra entidade, o Orixá Mallet, que destruía esses
malefícios e curava obsedados. Ainda hoje isso existe; há quem trabalhe para fazer
ou desmanchar feitiçarias, só para ganhar dinheiro. Os meus Guias nunca
permitiram que se cobrasse um centavo pelos trabalhos realizados. No
espiritismo não se pode pensar em dinheiro; deve-se pensar em Deus e no preparo
da vida futura."
"Origem da Umbanda - Módulo I" - Padrinho Juruá