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quarta-feira, 19 de setembro de 2018

No plano dos sonhos

Quando dormimos, será que apenas descansamos o corpo físico? Ou será que podemos aproveitar o breve momento fora do corpo para aprender com aqueles que nos querem bem? Há desafios a enfrentar quando estamos fora do corpo físico? É buscando sanar estas dúvidas é que trazemos o texto desta semana.



Para trazer conhecimento a cerca das questões levantadas a cima, buscamos trazer um texto, que fora extraído do livro "Missionários da Luz", encontrado no capítulo 8. 

A fim de situar o leitor no texto, narramos sucintamente os acontecimentos que ocorreram antes do texto abaixo. André Luiz iria participar de um estudo, onde espíritos se reuniam em um centro espírita para oferecer estudo a desencarnados e encarnados, contudo, momentos antes da reunião começar alguns participantes encarnados ainda não tinham chego, trazendo preocupação aos espíritos benfeitores. Desta forma, André e o amigo Sertório foram verificar o que se passava com um dos encarnados que faltavam a reunião.

"...Verifiquei que faltavam apenas cinco minutos para duas horas da madrugada. Pelo grande número de entidades que vieram céleres, ao nosso encontro, percebi que havia enorme interesse em torno da palestra instrutiva da noite. 

Não se achavam presentes apenas os aprendizes ligados ao esforço de Alexandre, em sentido direto, mas também outros amigos, trazidos até ali por afeiçoados do plano espiritual.

 Acercou-se de nós, com mais intimidade, pequeno grupo de companheiros, destacando-se um deles que conversou com Alexandre, de maneira mais significativa. 

- Ainda não chegaram todos? - indagou O instrutor, com interesse afetivo, após trocarem as primeiras impressões. 

 Percebi claramente que se referia aos irmãos encarnados que deveriam comparecer na cota de freqüência do grupo de que era ele um dos diretores espirituais. 

- Faltam-nos apenas dois companheiros - elucidou o interpelado. - Até o momento, Vieira e Marcondes ainda não chegaram. 

- Urge iniciar os trabalhos - exclamou Alexandre, sem afetação - devemos terminar a tarefa às quatro horas no máximo. 

E, mostrando singular interesse de amigo, acrescentou: 

- Quem sabe se foram vítimas de algum acidente? Convém positivar no espírito de calma decisão que lhe é característico, recomendou ao auxiliar que lhe prestava informações: 

- Sertório, enquanto vou ultimar algumas providências para as instruções da noite, observe o que se passa. 

Respeitoso, o subordinado interrogou: 

- Caso estejam os nossos irmãos sob a influência de entidades criminosas, como devo proceder? 

- Deixá-los-á, então, onde estiverem - replicou o instrutor, resoluto -; o momento não comporta grandes conversações com os que se prendem, deliberadamente, ao plano inferior. Findo o trabalho, você mesmo providenciará os recursos que se façam necessários. 

Dispunha-se o mensageiro a partir, quando o orientador, percebendo-me o ardente interesse em acompanhá-lo, acrescentou: 

- Se deseja, André, poderá seguir, colaborando com o emissário em serviço, Sertório terá prazer em sua companhia. 

Agradeci extremamente satisfeito e abracei o auxiliar de Alexandre, que me sorriu acolhedoramente. 

Saímos. 

Era indispensável atender o mandado com presteza; todavia, satisfazendo-me a curiosidade, Sertório explicou, generoso: 

- Quando encarnados, na Crosta, não temos bastante consciência dos serviços realizados durante o sono físico; contudo, esses trabalhos são inexprimíveis e imensos. Se todos os homens prezassem seriamente o valor da preparação espiritual, diante de semelhante gênero de tarefa, certo efetuariam as conquistas mais brilhantes, nos domínios psíquicos, ainda mesmo quando ligados aos envoltórios inferiores. Infelizmente, porém, a maioria se vale, inconscientemente, do repouso noturno para sair à caça de emoções frívolas ou menos dignas. Relaxam-se as defesas próprias, e certos impulsos, longamente sopitados durante a vigília, extravasam em todas as direções, por falta de educação espiritual, verdadeiramente sentida e vivida. 

Interessado em esclarecimentos completos. Indaguei: 

 - Entretanto, isto ocorre com aprendizes de cursos avançados do Espiritualismo? Poderiam ser vítimas desses enganos alunos de um instrutor da ordem de Alexandre? 

- Como não? - tornou Sertório, fraternalmente. - Com referência a essa probabilidade, não tenha qualquer dúvida. Quantos pregam a Verdade, sem aderirem intimamente a ela? Quantos repetem fórmulas de esperança e paz, desesperando e perseguindo, no fundo do coração? Há sempre muitos "chamados" em todos os setores de construção e aprimoramento do mundo! Os "escolhidos", contudo, são sempre poucos. 

Completando o pensamento, como a escoimá-lo de qualquer falsa noção de particularismos na obra divina, Sertório acrescentou: 

- E precisamos reajustar nossas definições sobre os "escolhidos". Os companheiros assim classificados não são especialmente favorecidos pela graça divina, que é sempre a mesma fonte de bênçãos para todos. Sabemos que a "escolha", em qualquer trabalho construtivo, não exclui a "qualidade", e se o homem não oferece qualidade superior para o serviço divino, em hipótese alguma deve esperar a distinção da escolha. Infere-se, pois, que Deus chama todos os filhos à cooperação em sua obra augusta, mas somente os devotados, persistentes, operosos e fiéis constroem qualidades eternas que os tornam dignos de grandes tarefas. E, reconhecendo-se que as qualidades são frutos de construções nossas, nunca poderemos esquecer que a escolha divina começará pelo esforço de cada um. 

A tese do companheiro era assaz interessante e educativa, mas havíamos atingido pequeno edifício, em frente do qual Sertório se deteve e falou: 

- É a residência de Vieira. Vejamos o que se passa. 

Acompanhei-o em silêncio. 

Em poucos instantes, encontrávamo-nos dentro de quarto confortável, onde dormia um homem idoso, fazendo ruído singular. Via-se-lhe, perfeitamente, o corpo perispirítico unido à forma física, embora parcialmente desligados entre si. Ao seu lado, permanecia uma entidade singular, trajando vestes absolutamente negras. Notei que o companheiro adormecido permanecia sob impressões de doloroso pavor. Gritos agudos escapavam-lhe da garganta. Sufocava-se, angustiadamente, enquanto a entidade escura fazia gestos que eu não conseguia compreender. 

Sertório acercou-se de mim e observou: 

- Vieira está sofrendo um pesadelo cruel. 

E indicando a entidade estranha: 

- Creio que ele terá atraído até aqui o visitante que o espanta. 

Com efeito, muito delicadamente, o meu interlocutor começou a dialogar com a entidade de luto: 

- O amigo é parente do companheiro que dorme? 

- Não, não. Somos conhecidos velhos. 

 E muito impaciente, acentuou: 

- Hoje, à noite, Vieira me chamou com as suas reiteradas lembranças e acusou-me de faltas que não cometi, conversando levianamente com a família. Isso, como é natural, desgostou-me. Não bastará o que tenho sofrido, depois da morte? Ainda precisarei ouvir falsos testemunhos de amigos maledicentes? Não poderia esperar dele semelhante procedimento, em virtude das relações afetivas que nos uniam as famílias, desde alguns anos. Vieira foi sempre pessoa de minha confiança. Em razão da surpresa, deliberei esperá-lo nos momentos de sono, a fim de prestar-lhe os necessários esclarecimentos. 

O estranho visitante. Todavia, fez uma pausa, sorriu irônico, e continuou: 

- Entretanto, desde o momento em que me pus a explicar-lhe a situação do passado, informando-o quanto aos verdadeiros móveis de minhas iniciativas e resoluções na vida carnal, para que não prossiga caluniando-me o nome, embora sem intenção, Vieira fez este rosto de pavor que estão vendo e parece não desejar ouvir as minhas verdades. 

Interessado nas lições novas, aproximei-me do amigo, cujo corpo descansava em posição horizontal, e senti-lhe o suor frio ensopando os lençóis. 

Não revelava compreender convenientemente o auxílio que lhe era trazido, fixando-nos com estranheza e ansiedade, intensificando, ainda mais, os gemidos gritantes que lhe escapavam da boca.

Sentindo a silenciosa reprovação de Sertório, o habitante das zonas inferiores dirigiu-lhe a palavra de modo especial: 

- O senhor admite que devamos ouvir impassíveis os remoques da leviandade? Não será passível de censura e punição o amigo infiel que se vale das imposições da morte para caluniar e deprimir? Se Vieira sentiu-se no direito de acusar-me, desconhecendo certas particularidades dos problemas de minha vida privada, não é justo que me tolere os esclarecimentos até ao fim? Não sabe ele, acaso que os mortos continuam vivos? Ignorará, porventura, que a memória de cada companheiro deve ser sagrada? Ora esta! Eu mesmo já lhe ouvi, em minha nova condição de desencarnado, longas dissertações referentes ao respeito que devemos uns aos outros... Não considera, pois, que tenho motivos justos para exigir um legítimo entendimento? 

O interpelado esboçou um gesto de complacência e observou: 

- Talvez esteja com a razão, meu caro. Entretanto, creio deva desculpar seu amigo! Como exigir dos outros conduta rigorosamente correta, se ainda não somos criaturas irrepreensíveis? Tenha calma, sejamos caridosos uns para com os outros!... 

E, enquanto a entidade se punha a meditar nas palavras ouvidas. Sertório falou-me em tom discreto: 

- Vieira não poderá comparecer esta noite aos trabalhos. 

Não pude reprimir a má impressão que a cena me causava e, talvez porque eu fizesse um olhar suplicante, advogando a causa do pobre irmão, quase a desencarnar-se de medo, o auxiliar de Alexandre prosseguiu: 

 - Retirar violentamente a visita, cuja presença ele próprio propiciou, não é tarefa compatível com as minhas possibilidades do momento. 

Mas podemos socorrê-lo, acordando-o. 

E, sem pestanejar, sacudiu o adormecido, energicamente, gritando-lhe o nome com força. 

Vieira despertou confuso, estremunhando, sob enorme fadiga, e ouvi-o exclamar, palidíssimo: 

- Graças a Deus, acordei! Que pesadelo terrível!... Será crível que eu tenha lutado com o fantasma do velho Barbosa? Não! Não posso acreditar!... 

Não nos viu, nem identificou a presença da entidade enlutada, que ali permaneceu até não sei quando. E, ao retirarmo-nos, ainda lhe notei as interrogações íntimas, indagando de si mesmo sobre o que teria ingerido ao jantar, tentando justificar o susto cruel com pretextos de origem fisiológica. Longe de auscultar a própria consciência, com respeito à maledicência e à leviandade, procurava materializar a lição no próprio estômago, buscando furtar-se à realidade..."


Missionários da Luz
Chico Xavier/ André Luiz