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quinta-feira, 19 de novembro de 2015

Preconceito Espiritual

Preconceito Espiritual, eis um tema que já se arrasta por muito tempo entre as religiões, o preconceito, mas aqui não falamos do preconceito entre encarnados, entre os vivos na carne, mas sim, um preconceito que foi levado também para o além-túmulo, porém, de encarnados para com desencarnados.


Primeiramente devemos entender que nem sempre foi assim, quando a doutrina dos espíritos surgiu, codificada por Allan Kardec, o preconceito espiritual não era dessa forma, pois havia mais estudo por parte dos que levavam a cabo tal doutrina, e além do mais, havia comprometimento com a causa. Porém, no Brasil a doutrina sofreu um processo excessivo de intelectualização, devido a grande maioria que a pregava ser de classe média/alta, sendo assim, se faziam presentes nas reuniões professores, doutores, políticos e pessoas de influência, o que trazia à reunião pessoas de conhecimento dito superior. Com o passar do tempo às reuniões começaram a adquirir um caráter científico, isto é, seus adeptos exigiam demonstrações e provas dos espíritos, a fim de comprovarem a existência da vida após a morte e dos fenômenos ali praticados, e com isso veio outra exigência dos médiuns, os espíritos que se manifestavam deveriam ser espíritos de renomes, como poetas, médicos, artistas, freis e freiras, devendo também usarem de um palavreado mais culto, rebuscado, dito de teor elevado.

Com estas transformações da doutrina dos espíritos, que sempre teve como objetivo o conhecimento, a razão, mas a cima de tudo a fraternidade e a caridade, a mesma acabou não sendo propagada à todas as classes de pessoas da época, pois os mais humildes e ignorantes do saber ao se depararem com discussões complexas e palavreados que não entendiam acabavam por se sentir inferiores, e já que não entendiam direito o que acontecia, acabaram por deixar de conhecer a realidade espiritual e os diversos conselhos trazidos pelos espíritos. Porém, não eram somente os encarnados que não conseguiam participar das reuniões espíritas, alguns espíritos também não conseguiam fazer parte das mesmas, pois ao se apresentarem como índios, ex-escravos, revestidas de uma aparência espiritual mais humilde, ou ainda, ao não usar de um linguajar mais formal, eram estes taxados de ignorantes, atrasados e inferiores, sendo praticamente “enxotados” das reuniões espíritas. Começamos então a entender a ideia de preconceito espiritual.

Os preconceitos com as entidades que se apresentavam de maneira mais humilde tinham embasamento na doutrina dos espíritos, ou pelo menos isso era o que diziam os adeptos do Kardecismo, porém, perguntamos: Será que esse embasamento está correto? Será que a doutrina dos espíritos era imbuída deste preconceito? Ou será que isso era coisa da religião que o espiritismo se transformou? Ou será que isso é coisa de religioso mal informado que trás seus preconceitos para dentro da religião?

Pois é, acreditamos que houve muita distorção no que tange este assunto, pois ao revermos às obras de Allan Kardec não encontramos tal embasamento na mesma. Não encontramos este preconceito nas folhas do Pentateuco organizado pelo querido codificador. Sendo assim, analisaremos alguns tópicos de “O Livro dos Espíritos” e também de “O Livro dos Médiuns”, onde é comentado sobre a linguagem dos espíritos, sua inferioridade e superioridade, vamos juntos ver o que realmente essa doutrina queria dizer ao tratar da linguagem dos espíritos e se referir a atraso espiritual, vejamos:

Já na introdução de “O Livro dos Espíritos”, no item X, Allan Kardec dá uma breve pincelada sobre tal assunto:

“Quem se reportar ao resumo da doutrina acima apresentado, verá que os próprios Espíritos nos ensinam não haver entre eles igualdade de conhecimentos nem de qualidades morais, e que não se deve tomar ao pé da letra tudo quanto dizem. Às pessoas sensatas incumbe separar o bom do mau. Indubitavelmente, os que desse fato deduzem que só se comunicam conosco seres malfazejos, cuja única ocupação consista em nos mistificar, não conhecem as comunicações que se recebem nas reuniões onde só se manifestam Espíritos superiores. do contrário, assim não pensariam. É de lamentar que o acaso os tenha servido tão mal, que apenas lhes haja mostrado o lado mau do mundo espírita, pois nos repugna supor que uma tendência simpática atraia para eles, em vez de bons Espíritos, os maus, os mentirosos, ou aqueles cuja linguagem é de revoltante grosseria.”

Vejamos que o codificador já comenta na introdução da obra que os próprios espíritos ensinam que não há igualdade de conhecimentos e nem de qualidades morais entre eles, isto é, cada um possui um tipo de conhecimento, cada um possui certas qualidades morais, e isso não significa ser atrasado, ser inferior, apenas que eles, os espíritos, assim como os homens encarnados, e devemos observar que os espíritos nada mais são do que os homens que já partiram para a vida além-túmulo, eles não conhecem sobre tudo, porém, não falar em certas formalidades não caracteriza inferioridade alguma. E ainda, ele fala que cabe a nós, homens sensatos, os que se utilizam do bom sendo, tanto trazido por Kardec, separar as os bons dos maus. Mas ele vai adiante, e ai meus amigos pode ter havido engano entre alguns adeptos, pois aqui ele comenta sobre espíritos maus, mentirosos, ou cuja linguagem é de revoltante grosseria, o que isto significa? O que é grosseria? Significa mal-educado, que se utilizam de expressões que denotam descortesia, incivilidade, são àqueles que agem com o desrespeito. Agora eu vos digo, me perdoem, mas um Preto-Velho que se manifesta e fala: “Salve meu fio”, ou utiliza de palavras como, “vosmecê”, não tem nada de grosseria, é apenas o modo de falar, carinhoso e humilde, e ser taxado de ignorante ou atrasado por isso, é fugir totalmente ao que diz aqui, logo na introdução da obra.

Vamos adiante, na segunda parte de “O Livro dos Espíritos”, no capítulo I, “Dos Espíritos”, no tópico “Diferentes Ordens de Espíritos”, na pergunta 98, temos o seguinte:

“98. Os espíritos da segunda ordem, para os quais o bem constitui a preocupação dominante, têm o poder de praticá-lo?” “Cada um deles dispõe desse poder, de acordo com o grau de perfeição a que chegou. Assim, uns possuem a ciência, outros a sabedoria e a bondade. Todos, porém, ainda têm que sofrer provas”.

Vejamos que os espíritos da segunda ordem são àqueles classificados como “bons espíritos”, e como diz a própria respostas dos espíritos a Allan Kardec, todos tem o poder de fazer o bem, porém, novamente é falada da desigualdade de conhecimentos, pois uns possuem a ciência e sabem explicar muito bem às coisas sobre a realidade espiritual e trazem tais informações para nos ajudar no progresso intelectual, porém, outros possuem a sabedoria e a bondade, isto é, embora não possuem o conhecimento científico sobre as coisas, pelo que já vivenciaram e experienciaram, adquiriram a fé, o amor, a paciência, e vêm nos ensinar sobre tudo isso, pois conhecer é uma coisa, agora coloca-la em prática da maneira correta é sabedora, então cada um tem um pouco a nos ensinar, e é exatamente isso que é comentado nessa questão.

Vamos além, no item “Escala Espírita” ainda no mesmo capítulo, na questão de número 100, é dado breve comentário sobre a mesma, e Allan Kardec comenta o seguinte:

“Não inventamos os espíritos, nem seus caracteres. Vimos e observamos, julgamo-los pelas suas palavras e atos, depois os classificamos pelas semelhanças, baseando-nos em dados que eles próprios nos forneceram".

Pois bem, agora o codificador usa de outra abordagem, ele primeiramente comenta que não inventou os espíritos e nem seus caracteres, sendo assim, deve-se observar e julgar se se é bom ou mau escutando os mesmos, o que infelizmente já não ocorria em algumas reuniões, pois muitos nem mesmo deixavam os espíritos de indumentária mais humilde abrir a boca para falar, se tinha um vidente ele já julgava pelo seu “olhar” e mandava embora, se era dito algo informal também era mandado embora, não havia possibilidade de ouvir a mensagem. Depois Kardec nos comenta que julgava as PALAVRAS, e aí sim pode ter havido confusão, pois o codificador se utiliza da expressão “palavras” em diversos momentos de suas obras, porém, em sua maioria ele remete tal expressão ao fundo da mensagem que o espírito traz e não à palavra propriamente dita que o espírito usa. Vejam que isso é simples de analisarmos, pois na introdução de “O Livro dos Espíritos”, em seu item XIV, onde ele cita a objeção quanto às faltas ortográficas, onde é comentado que muitas vezes os espíritos superiores erram na gramática ao psicografarem, o codificador nos elucida que “Para os espíritos, principalmente para os espíritos superiores, ideia é tudo, a forma nada vale”, é claro que ele ainda fala mais algumas coisas a respeito e que só vem a corroborar com nossa explanação, sendo assim, se o fundo, ou seja, a ideia principal que o espírito quer passar é a que importa, não devemos então nos precipitar em julgar pelas palavras citadas à cima pelos Pretos-Velhos e Caboclos, mas devemos analisar o conteúdo da mensagem e passa-lo pelo crivo da razão, e só então saberemos o real caráter do espírito comunicante.

Analisemos agora o que diz em “O Livro dos Médiuns”, no capítulo XXIV, “Da identidade dos Espíritos”, na questão 255, vejamos:

“Julgam-se os Espíritos, como os homens, pela sua linguagem. Se um Espírito se apresenta com o nome de Fénelon, por exemplo, e diz trivialidades e puerilidades, está claro que não pode ser ele. Porém, se somente diz coisas dignas do caráter de Fénelon e que este não se furtaria a subscrever, há, senão prova material, pelo menos toda probabilidade moral de que seja de fato ele. Nesse caso, sobretudo, é que a identidade real se torna uma questão acessória. Desde que o Espírito só diz coisas aproveitáveis, pouco importa o nome sob o qual as diga”.

Vejamos que fica mais fácil ainda analisarmos a questão, pois agora Kardec não só faz menção a linguagem de maneira mais direta, mas a enquadra dentro do teor da mensagem, levando em consideração a moral e o ensinamento que o espírito traz. Isto fica claro quando ele comenta que se julga os espíritos pela sua linguagem e logo depois fala sobre um espírito se apresentar como alguém de caráter sério e elevado, mas que só fala trivialidades e puerilidades, que quer dizer coisas banais e infantis. Depois ele acrescenta que a identidade real é acessória, pois o que importa é que o espírito diga coisas aproveitáveis, isto é, traga ensinamentos baseados em uma moral elevada. Vejam que mais a frente o codificador expressa exatamente o que dissemos, na questão 256: “Não é a pessoa deles o que nos interessa, mas o ensino que nos proporcionam. Ora, desde que esse ensino é bom, pouco importa que aquele que o deu se chame Pedro, ou Paulo. Deve ele ser julgado pela sua qualidade e não pelas suas insígnias”.

Lembrem-se estamos tratando de preconceito espiritual, e o mesmo se dá tanto quanto a roupagem utilizada pelos espíritos quanto o seu linguajar, sendo assim, como Kardec bem fala, pouco importa se ele é Pai João ou São Pedro, se ele é Tupinambá ou São Luiz, se é frei ou índio, o que importa é o ensinamento que eles têm a passar, fica simples tal compreensão ao analisarmos com cautela.

Indo um pouquinho além, precisamos ver que esse preconceito quanto à linguagem pode colocar os adeptos das religiões que se utilizam das manifestações dos espíritos, através das faculdades mediúnicas, em risco, pois todo o tipo de excesso é prejudicial, e querer que espíritos se utilizem sempre de linguajar culto e formal e que se apresentem somente como entidades veneráveis e famosas acaba por atrair àqueles que podem facilmente se manifestar dessa forma, porém, de caráter e elevação espiritual extremamente inferior, como o codificador bem cita no item 261 do mesmo capítulo:

261. “Dir-se-á, sem dúvida, que, se um Espírito pode imitar uma assinatura, também pode perfeitamente imitar a linguagem. É exato; alguns temos visto tomar atrevidamente o nome do Cristo e, para impingirem a mistificação, simulavam o estilo evangélico e pronunciavam a torto e a direito estas bem conhecidas palavras: Em verdade, em verdade vos digo. Estudando, porém, sem prevenção, o ditado, em seu conjunto, perscrutado o fundo das ideias, o alcance das expressões, quando, a par de belas máximas de caridade, se veem recomendações pueris e ridículas, fora preciso estar fascinado para que alguém se equivocasse. Sim, certas partes da forma material da linguagem podem ser imitadas, mas não o pensamento. Jamais a ignorância imitará o verdadeiro saber e jamais o vício imitará a verdadeira virtude".

É muito importante que compreendamos tais esclarecimentos, pois capacidade mental e conhecimento não são sinônimos de elevação espiritual, e como bem sabemos nas diversas obras já trazidas à tona por excelentes médiuns, os espíritos descomprometidos com o bem trabalham duro para implementar suas ideias nefastas, exatamente como o codificador já apontava em seu estudo. Sendo assim, é fácil para um espírito de elevado conhecimento se fazer presente em meio aos fascinados por comunicações extravagantes, e falarem um centena de palavras pomposas e lindas de se ouvir, porém, cheia de rodeios e sem significado algum, sem ensinamento algum, traz mais confusão do que qualquer outra coisa. Lembremos que os espíritos são simples, não desejam impressionar, apenas nos ensinar, e muitas vezes o maior ensinamento vem de pouquíssimas palavras, ou às vezes de nenhuma, como o silêncio, por exemplo.

Mas então, nos aproximando do estudo a cerca deste tema tão debatido, vamos há um ponto que julgamos capital na doutrina, onde os incautos ao passarem os olhos sobre a obra, sem a estudar realmente, pode facilmente distorcer os ensinamentos de Kardec, vejamos no ponto 263 de “O Livro dos Médiuns” a seguinte frase do codificador:

“Pode estabelecer-se como regra invariável e sem exceção que — a linguagem dos Espíritos está sempre em relação com o grau de elevação a que já tenham chegado. Os Espíritos realmente superiores não só dizem unicamente coisas boas, como também as dizem em termos isentos, de modo absoluto, de toda trivialidade. Por melhores que sejam essas coisas, se uma única expressão denotando baixeza as macula, isto constitui um sinal indubitável de inferioridade; com mais forte razão, se o conjunto do ditado fere as conveniências pela sua grosseria.”

Vejam que Kardec fala que a linguagem está sempre em relação com o grau de elevação, isto é, e voltamos a bater nesta tecla, “linguagem” e “palavras” são as expressões que o codificador usa para denominar o modo com que os espíritos passam sua mensagem, ou seja, se o espírito não fala coisas pueris e triviais, como também quer referir-se ao fundo da mensagem. Tanto é que ele logo após comenta “Os espíritos realmente superiores só dizem coisas boas” referindo-se ao teor e caráter das mensagens. Porém aqui ele comenta algo que devemos atenção, é relatado que os espíritos relatam suas mensagens em “termos isentos”, porém, como podemos observar ele não fala somente “EM TERMOS”, mas sim isentos, e se ele usa tal expressão temos que levar em consideração que é isentos de que? Então ele segue falando, “isentos de modo absoluto de toda a trivialidade”. O problema aqui é que muitos que passam os olhos sobre a obra veem a palavra “termo” e acham que isso quer dizer que os espíritos devem sempre usar de termos mais formais e elevados, devem eles ser exímios na pronuncia das palavras, e vimos até uma objeção à obra de Kardec sobre a ortográfica, que já citamos neste estudo.

Mas vai além, o codificador comenta que se tiver uma única expressão que denote baixeza, é sinal de inferioridade. Meus irmãos, o que é baixeza para nós? Será que estamos analisando como deveríamos ou estamos colocando nosso preconceito junto de nossa capacidade de interpretação? A palavra baixeza não significa falar “fio”, “vosmecê”, “nego”, e demais palavras usadas por algumas entidades que se apresentam de modo humilde, mas significa comportamento vil e ausência de dignidade, era apenas isso que o codificador queria nos ensinar, e não que humildade era sinal de baixeza. Pensemos irmãos se esse preconceito é fruto de ortodoxia ou de ignorância, pois se um dito espírita ortodoxo dizer que segue Kardec com esse preconceito, então ele não conhece a obra a que professa, e infelizmente não está seguindo a obra revelada pelos espíritos.

Para concluirmos, lembremos o capítulo VIII do “Livro dos Médiuns”, “Do Laboratório Invisível”, onde é demonstrado pelo codificador e também pelas respostas dos espíritos quando indagados, que os espíritos podem modificar sua indumentária, isto é, se apresentarem com a roupagem fluídica que bem desejarem, claro que isto de acordo com o seu poder mental e sua evolução espiritual, porém, fica bem claro neste capítulo que os espíritos podem “vestir-se” do modo como bem queiram. Sendo assim, um Preto-Velho que se apresente em uma mesa e é despachado, pode logo depois voltar trajando o jaleco do doutor, e ser tratado pelos médiuns de forma extremamente diferente. Se isso não é preconceito espiritual, então não sei mais o que é.

Lembremos ainda Jesus, que sempre foi humilde e escolheu pessoas simples e humildes para caminhar ao lado dele, e em nenhum momento foi preconceituoso, tanto para curar quanto para ensinar. Dizemos segui-lo, mas será? Devemos estudar mais as obras e principalmente o Evangelho, para ver se aprendemos alguma coisa.


Nota: Não estamos julgando falha e nem negativa a doutrina dos espíritos, e muito menos a religião que se formou através dela, não vemos outras religiões como melhores e muito menos piores, apenas viemos trazer um pouco de esclarecimento a cerca desse preconceito que já tem perdurado à mais tempo do que devia. Esse preconceito não é somente no espiritismo, pois deus o livre um médico baixar em um terreiro de Umbanda, ele é corrido para o centro espírita de onde saiu. O preconceito está em todos os cantos, mas graças a Deus temos a revelação dos espíritos compilada por Allan Kardec no Pentateuco, que nos esclarece e muito a cerca de tudo isso que falamos neste estudo e muito mais.

Referências utilizadas:
O livro dos Espíritos e O Livro dos Médiuns - Allan Kardec