Preconceito Espiritual, eis um tema que já se arrasta por muito tempo entre as
religiões, o preconceito, mas aqui não falamos do preconceito entre encarnados,
entre os vivos na carne, mas sim, um preconceito que foi levado também para o
além-túmulo, porém, de encarnados para com desencarnados.
Primeiramente devemos entender que nem sempre foi assim,
quando a doutrina dos espíritos surgiu, codificada por Allan Kardec, o
preconceito espiritual não era dessa forma, pois havia mais estudo por parte
dos que levavam a cabo tal doutrina, e além do mais, havia comprometimento com
a causa. Porém, no Brasil a doutrina sofreu um processo excessivo de
intelectualização, devido a grande maioria que a pregava ser de classe
média/alta, sendo assim, se faziam presentes nas reuniões professores,
doutores, políticos e pessoas de influência, o que trazia à reunião pessoas de
conhecimento dito superior. Com o passar do tempo às reuniões começaram a
adquirir um caráter científico, isto é, seus adeptos exigiam demonstrações e
provas dos espíritos, a fim de comprovarem a existência da vida após a morte e
dos fenômenos ali praticados, e com isso veio outra exigência dos médiuns, os
espíritos que se manifestavam deveriam ser espíritos de renomes, como poetas,
médicos, artistas, freis e freiras, devendo também usarem de um palavreado mais
culto, rebuscado, dito de teor elevado.
Com estas transformações da doutrina dos espíritos, que
sempre teve como objetivo o conhecimento, a razão, mas a cima de tudo a
fraternidade e a caridade, a mesma acabou não sendo propagada à todas as
classes de pessoas da época, pois os mais humildes e ignorantes do saber ao se
depararem com discussões complexas e palavreados que não entendiam acabavam por
se sentir inferiores, e já que não entendiam direito o que acontecia, acabaram
por deixar de conhecer a realidade espiritual e os diversos conselhos trazidos
pelos espíritos. Porém, não eram somente os encarnados que não conseguiam
participar das reuniões espíritas, alguns espíritos também não conseguiam fazer
parte das mesmas, pois ao se apresentarem como índios, ex-escravos, revestidas
de uma aparência espiritual mais humilde, ou ainda, ao não usar de um linguajar
mais formal, eram estes taxados de ignorantes, atrasados e inferiores, sendo
praticamente “enxotados” das reuniões espíritas. Começamos então a entender a
ideia de preconceito espiritual.
Os preconceitos com as entidades que se apresentavam de
maneira mais humilde tinham embasamento na doutrina dos espíritos, ou pelo
menos isso era o que diziam os adeptos do Kardecismo, porém, perguntamos: Será
que esse embasamento está correto? Será que a doutrina dos espíritos era
imbuída deste preconceito? Ou será que isso era coisa da religião que o
espiritismo se transformou? Ou será que isso é coisa de religioso mal informado
que trás seus preconceitos para dentro da religião?
Pois é, acreditamos que houve muita distorção no que tange
este assunto, pois ao revermos às obras de Allan Kardec não encontramos tal
embasamento na mesma. Não encontramos este preconceito nas folhas do Pentateuco
organizado pelo querido codificador. Sendo assim, analisaremos alguns tópicos
de “O Livro dos Espíritos” e também de “O Livro dos Médiuns”, onde é comentado
sobre a linguagem dos espíritos, sua inferioridade e superioridade, vamos
juntos ver o que realmente essa doutrina queria dizer ao tratar da linguagem
dos espíritos e se referir a atraso espiritual, vejamos:
Já na introdução de “O Livro dos Espíritos”, no item X,
Allan Kardec dá uma breve pincelada sobre tal assunto:
“Quem se reportar ao resumo da doutrina acima apresentado,
verá que os próprios Espíritos nos ensinam não haver entre eles igualdade de
conhecimentos nem de qualidades morais, e que não se deve tomar ao pé da letra
tudo quanto dizem. Às pessoas sensatas incumbe separar o bom do mau.
Indubitavelmente, os que desse fato deduzem que só se comunicam conosco seres
malfazejos, cuja única ocupação consista em nos mistificar, não conhecem as
comunicações que se recebem nas reuniões onde só se manifestam Espíritos superiores.
do contrário, assim não pensariam. É de lamentar que o acaso os tenha servido
tão mal, que apenas lhes haja mostrado o lado mau do mundo espírita, pois nos
repugna supor que uma tendência simpática atraia para eles, em vez de bons
Espíritos, os maus, os mentirosos, ou aqueles cuja linguagem é de revoltante
grosseria.”
Vejamos que o codificador já comenta na introdução da obra
que os próprios espíritos ensinam que não há igualdade de conhecimentos e nem
de qualidades morais entre eles, isto é, cada um possui um tipo de
conhecimento, cada um possui certas qualidades morais, e isso não significa ser
atrasado, ser inferior, apenas que eles, os espíritos, assim como os homens
encarnados, e devemos observar que os espíritos nada mais são do que os homens
que já partiram para a vida além-túmulo, eles não conhecem sobre tudo, porém,
não falar em certas formalidades não caracteriza inferioridade alguma. E ainda,
ele fala que cabe a nós, homens sensatos, os que se utilizam do bom sendo,
tanto trazido por Kardec, separar as os bons dos maus. Mas ele vai adiante, e
ai meus amigos pode ter havido engano entre alguns adeptos, pois aqui ele
comenta sobre espíritos maus, mentirosos, ou cuja linguagem é de revoltante
grosseria, o que isto significa? O que é grosseria? Significa mal-educado, que
se utilizam de expressões que denotam descortesia, incivilidade, são àqueles
que agem com o desrespeito. Agora eu vos digo, me perdoem, mas um Preto-Velho
que se manifesta e fala: “Salve meu fio”, ou utiliza de palavras como, “vosmecê”,
não tem nada de grosseria, é apenas o modo de falar, carinhoso e humilde, e ser
taxado de ignorante ou atrasado por isso, é fugir totalmente ao que diz aqui,
logo na introdução da obra.
Vamos adiante, na segunda parte de “O Livro dos Espíritos”,
no capítulo I, “Dos Espíritos”, no tópico “Diferentes Ordens de Espíritos”, na
pergunta 98, temos o seguinte:
“98. Os espíritos da segunda ordem, para os quais o bem
constitui a preocupação dominante, têm o poder de praticá-lo?” “Cada um deles
dispõe desse poder, de acordo com o grau de perfeição a que chegou. Assim, uns
possuem a ciência, outros a sabedoria e a bondade. Todos, porém, ainda têm que
sofrer provas”.
Vejamos que os espíritos da segunda ordem são àqueles
classificados como “bons espíritos”, e como diz a própria respostas dos
espíritos a Allan Kardec, todos tem o poder de fazer o bem, porém, novamente é
falada da desigualdade de conhecimentos, pois uns possuem a ciência e sabem
explicar muito bem às coisas sobre a realidade espiritual e trazem tais
informações para nos ajudar no progresso intelectual, porém, outros possuem a
sabedoria e a bondade, isto é, embora não possuem o conhecimento científico sobre
as coisas, pelo que já vivenciaram e experienciaram, adquiriram a fé, o amor, a
paciência, e vêm nos ensinar sobre tudo isso, pois conhecer é uma coisa, agora
coloca-la em prática da maneira correta é sabedora, então cada um tem um pouco
a nos ensinar, e é exatamente isso que é comentado nessa questão.
Vamos além, no item “Escala Espírita” ainda no mesmo
capítulo, na questão de número 100, é dado breve comentário sobre a mesma, e
Allan Kardec comenta o seguinte:
“Não inventamos os espíritos, nem seus caracteres. Vimos e
observamos, julgamo-los pelas suas palavras e atos, depois os classificamos
pelas semelhanças, baseando-nos em dados que eles próprios nos forneceram".
Pois bem, agora o codificador usa de outra abordagem, ele
primeiramente comenta que não inventou os espíritos e nem seus caracteres,
sendo assim, deve-se observar e julgar se se é bom ou mau escutando os mesmos,
o que infelizmente já não ocorria em algumas reuniões, pois muitos nem mesmo
deixavam os espíritos de indumentária mais humilde abrir a boca para falar, se
tinha um vidente ele já julgava pelo seu “olhar” e mandava embora, se era dito
algo informal também era mandado embora, não havia possibilidade de ouvir a
mensagem. Depois Kardec nos comenta que julgava as PALAVRAS, e aí sim pode ter
havido confusão, pois o codificador se utiliza da expressão “palavras” em
diversos momentos de suas obras, porém, em sua maioria ele remete tal expressão
ao fundo da mensagem que o espírito traz e não à palavra propriamente dita que
o espírito usa. Vejam que isso é simples de analisarmos, pois na introdução de
“O Livro dos Espíritos”, em seu item XIV, onde ele cita a objeção quanto às
faltas ortográficas, onde é comentado que muitas vezes os espíritos superiores
erram na gramática ao psicografarem, o codificador nos elucida que “Para os
espíritos, principalmente para os espíritos superiores, ideia é tudo, a forma
nada vale”, é claro que ele ainda fala mais algumas coisas a respeito e que só
vem a corroborar com nossa explanação, sendo assim, se o fundo, ou seja, a
ideia principal que o espírito quer passar é a que importa, não devemos então
nos precipitar em julgar pelas palavras citadas à cima pelos Pretos-Velhos e
Caboclos, mas devemos analisar o conteúdo da mensagem e passa-lo pelo crivo da
razão, e só então saberemos o real caráter do espírito comunicante.
Analisemos agora o que diz em “O Livro dos Médiuns”, no
capítulo XXIV, “Da identidade dos Espíritos”, na questão 255, vejamos:
“Julgam-se os Espíritos, como os homens, pela sua linguagem.
Se um Espírito se apresenta com o nome de Fénelon, por exemplo, e diz
trivialidades e puerilidades, está claro que não pode ser ele. Porém, se
somente diz coisas dignas do caráter de Fénelon e que este não se furtaria a
subscrever, há, senão prova material, pelo menos toda probabilidade moral de
que seja de fato ele. Nesse caso, sobretudo, é que a identidade real se torna
uma questão acessória. Desde que o Espírito só diz coisas aproveitáveis, pouco
importa o nome sob o qual as diga”.
Vejamos que fica mais fácil ainda analisarmos a questão,
pois agora Kardec não só faz menção a linguagem de maneira mais direta, mas a
enquadra dentro do teor da mensagem, levando em consideração a moral e o
ensinamento que o espírito traz. Isto fica claro quando ele comenta que se
julga os espíritos pela sua linguagem e logo depois fala sobre um espírito se
apresentar como alguém de caráter sério e elevado, mas que só fala
trivialidades e puerilidades, que quer dizer coisas banais e infantis. Depois
ele acrescenta que a identidade real é acessória, pois o que importa é que o
espírito diga coisas aproveitáveis, isto é, traga ensinamentos baseados em uma
moral elevada. Vejam que mais a frente o codificador expressa exatamente o que
dissemos, na questão 256: “Não é a pessoa deles o que nos interessa, mas o
ensino que nos proporcionam. Ora, desde que esse ensino é bom, pouco importa
que aquele que o deu se chame Pedro, ou Paulo. Deve ele ser julgado pela sua
qualidade e não pelas suas insígnias”.
Lembrem-se estamos tratando de preconceito espiritual, e o
mesmo se dá tanto quanto a roupagem utilizada pelos espíritos quanto o seu
linguajar, sendo assim, como Kardec bem fala, pouco importa se ele é Pai João
ou São Pedro, se ele é Tupinambá ou São Luiz, se é frei ou índio, o que importa
é o ensinamento que eles têm a passar, fica simples tal compreensão ao
analisarmos com cautela.
Indo um pouquinho além, precisamos ver que esse preconceito
quanto à linguagem pode colocar os adeptos das religiões que se utilizam das manifestações
dos espíritos, através das faculdades mediúnicas, em risco, pois todo o tipo de
excesso é prejudicial, e querer que espíritos se utilizem sempre de linguajar
culto e formal e que se apresentem somente como entidades veneráveis e famosas
acaba por atrair àqueles que podem facilmente se manifestar dessa forma, porém,
de caráter e elevação espiritual extremamente inferior, como o codificador bem
cita no item 261 do mesmo capítulo:
261. “Dir-se-á, sem dúvida, que, se um Espírito pode imitar
uma assinatura, também pode perfeitamente imitar a linguagem. É exato; alguns
temos visto tomar atrevidamente o nome do Cristo e, para impingirem a
mistificação, simulavam o estilo evangélico e pronunciavam a torto e a direito
estas bem conhecidas palavras: Em verdade, em verdade vos digo. Estudando,
porém, sem prevenção, o ditado, em seu conjunto, perscrutado o fundo das
ideias, o alcance das expressões, quando, a par de belas máximas de caridade,
se veem recomendações pueris e ridículas, fora preciso estar fascinado para que
alguém se equivocasse. Sim, certas partes da forma material da linguagem podem
ser imitadas, mas não o pensamento. Jamais a ignorância imitará o verdadeiro
saber e jamais o vício imitará a verdadeira virtude".
É muito importante que compreendamos tais esclarecimentos,
pois capacidade mental e conhecimento não são sinônimos de elevação espiritual,
e como bem sabemos nas diversas obras já trazidas à tona por excelentes
médiuns, os espíritos descomprometidos com o bem trabalham duro para implementar
suas ideias nefastas, exatamente como o codificador já apontava em seu estudo.
Sendo assim, é fácil para um espírito de elevado conhecimento se fazer presente
em meio aos fascinados por comunicações extravagantes, e falarem um centena de
palavras pomposas e lindas de se ouvir, porém, cheia de rodeios e sem
significado algum, sem ensinamento algum, traz mais confusão do que qualquer
outra coisa. Lembremos que os espíritos são simples, não desejam impressionar,
apenas nos ensinar, e muitas vezes o maior ensinamento vem de pouquíssimas
palavras, ou às vezes de nenhuma, como o silêncio, por exemplo.
Mas então, nos aproximando do estudo a cerca deste tema tão
debatido, vamos há um ponto que julgamos capital na doutrina, onde os incautos
ao passarem os olhos sobre a obra, sem a estudar realmente, pode facilmente
distorcer os ensinamentos de Kardec, vejamos no ponto 263 de “O Livro dos
Médiuns” a seguinte frase do codificador:
“Pode estabelecer-se como regra invariável e sem exceção que
— a linguagem dos Espíritos está sempre em relação com o grau de elevação a que
já tenham chegado. Os Espíritos realmente superiores não só dizem unicamente
coisas boas, como também as dizem em termos isentos, de modo absoluto, de toda
trivialidade. Por melhores que sejam essas coisas, se uma única expressão
denotando baixeza as macula, isto constitui um sinal indubitável de
inferioridade; com mais forte razão, se o conjunto do ditado fere as
conveniências pela sua grosseria.”
Vejam que Kardec fala que a linguagem está sempre em relação
com o grau de elevação, isto é, e voltamos a bater nesta tecla, “linguagem” e
“palavras” são as expressões que o codificador usa para denominar o modo com
que os espíritos passam sua mensagem, ou seja, se o espírito não fala coisas
pueris e triviais, como também quer referir-se ao fundo da mensagem. Tanto é
que ele logo após comenta “Os espíritos realmente superiores só dizem coisas
boas” referindo-se ao teor e caráter das mensagens. Porém aqui ele comenta algo
que devemos atenção, é relatado que os espíritos relatam suas mensagens em “termos
isentos”, porém, como podemos observar ele não fala somente “EM TERMOS”, mas
sim isentos, e se ele usa tal expressão temos que levar em consideração que é
isentos de que? Então ele segue falando, “isentos de modo absoluto de toda a
trivialidade”. O problema aqui é que muitos que passam os olhos sobre a obra
veem a palavra “termo” e acham que isso quer dizer que os espíritos devem
sempre usar de termos mais formais e elevados, devem eles ser exímios na
pronuncia das palavras, e vimos até uma objeção à obra de Kardec sobre a
ortográfica, que já citamos neste estudo.
Mas vai além, o codificador comenta que se tiver uma única
expressão que denote baixeza, é sinal de inferioridade. Meus irmãos, o que é
baixeza para nós? Será que estamos analisando como deveríamos ou estamos
colocando nosso preconceito junto de nossa capacidade de interpretação? A
palavra baixeza não significa falar “fio”, “vosmecê”, “nego”, e demais palavras
usadas por algumas entidades que se apresentam de modo humilde, mas significa
comportamento vil e ausência de dignidade, era apenas isso que o codificador
queria nos ensinar, e não que humildade era sinal de baixeza. Pensemos irmãos
se esse preconceito é fruto de ortodoxia ou de ignorância, pois se um dito
espírita ortodoxo dizer que segue Kardec com esse preconceito, então ele não
conhece a obra a que professa, e infelizmente não está seguindo a obra revelada
pelos espíritos.
Para concluirmos, lembremos o capítulo VIII do “Livro dos
Médiuns”, “Do Laboratório Invisível”, onde é demonstrado pelo codificador e
também pelas respostas dos espíritos quando indagados, que os espíritos podem
modificar sua indumentária, isto é, se apresentarem com a roupagem fluídica que
bem desejarem, claro que isto de acordo com o seu poder mental e sua evolução
espiritual, porém, fica bem claro neste capítulo que os espíritos podem
“vestir-se” do modo como bem queiram. Sendo assim, um Preto-Velho que se
apresente em uma mesa e é despachado, pode logo depois voltar trajando o jaleco
do doutor, e ser tratado pelos médiuns de forma extremamente diferente. Se isso
não é preconceito espiritual, então não sei mais o que é.
Lembremos ainda Jesus, que sempre foi humilde e escolheu
pessoas simples e humildes para caminhar ao lado dele, e em nenhum momento foi
preconceituoso, tanto para curar quanto para ensinar. Dizemos segui-lo, mas
será? Devemos estudar mais as obras e principalmente o Evangelho, para ver se
aprendemos alguma coisa.
Nota: Não estamos julgando falha e nem negativa a doutrina
dos espíritos, e muito menos a religião que se formou através dela, não vemos
outras religiões como melhores e muito menos piores, apenas viemos trazer um
pouco de esclarecimento a cerca desse preconceito que já tem perdurado à mais
tempo do que devia. Esse preconceito não é somente no espiritismo, pois deus o
livre um médico baixar em um terreiro de Umbanda, ele é corrido para o centro
espírita de onde saiu. O preconceito está em todos os cantos, mas graças a Deus
temos a revelação dos espíritos compilada por Allan Kardec no Pentateuco, que
nos esclarece e muito a cerca de tudo isso que falamos neste estudo e muito
mais.
Referências utilizadas:
O livro dos Espíritos e O Livro dos Médiuns - Allan Kardec